As
gotas de chuva que caíam do escuro céu de Petrolina naquele começo de noite o
colocaram a pensar.
Sempre
com sua inseparável mochila às costas – dentro, um livro surrado, um caderno,
algumas canetas sem bocal e um punhado de moedas – partiu rumo ao que esperava
ser mais uma distração naquele dia tão atribulado. Enquanto lia no ônibus,
observava de relance o movimento da cidade, tão intenso e por vezes até caótico
naquele horário.
Sempre
que lhe era perceptível o quanto a cidade tinha crescido, um sentimento
angustiante lhe invadia. Era um jovem interessado por artes e cultura desde
cedo. Na infância, seu sonho era ser o Homem Aranha. Na adolescência, conhecer
a Terra Média ou fazer uma viagem pela Matrix. Livros, filmes e música ajudaram
a moldar seu caráter e muito do que ele, hoje, é. E por isso mesmo ele se
ressentia ao perceber o quanto aquela cidade, cada vez mais rica culturalmente,
não possuía um público cativo destes produtos.
Peças
de teatro, manifestações regionais, espetáculos de dança, exibição de curtas
produzidos no perímetro... Tornavam-se detalhe perto dos inúmeros shows de
forró, acostumados a lotar clubes praticamente todo final de semana. Quando aos
15, 16 anos, ele se perguntava o motivo de tal discrepância – já que, na sua
cabeça, era inadmissível tal tipo de coisa. Hoje, apesar de manter a opinião e
preferência, ele já tem a mente mais aberta.
Entrou
na faculdade de jornalismo aos 18 e foi aí que a cortina que cobria seus olhos
começou a cair.
O
mundo da mídia é cruel. Mais do que cruel, não abre espaços para dúvidas. A
publicidade é o motor e não haverá divulgação (ao menos, não ampla) de algo que
não atrairá público e que não trará lucro aos meios responsáveis por pautar o
assunto. O que se esquecem, com isso, é que o mesmo público depende da tal da
divulgação. Como as pessoas que não costumam procurar eventos culturais irão
participar dos tais se nem sabem que eles estão acontecendo?
Era,
essa, uma das eternas dúvidas do jovem. Afinal, ele também já participara de um
projeto de extensão cineclube na sua faculdade e vira que, mesmo com uma
propaganda viral, o resultado final não havia sido exatamente o esperado. E a
desempolgação por isso gerada acabou fazendo a prática “adormecer”.
Não
é que ele tivesse desistido – isso ele jurava para si mesmo que não iria. Só
não valia a pena, em um momento extremamente estressante, tentar vencer uma
batalha que se contasse apenas com ele, estava fadada ao fracasso. É sabido que
o jornalismo também tem seu papel cultural – tem, inclusive, uma área
específica: o chamado Jornalismo Cultural.
Onde
se encontrava, então, essa prática na região? Nas rápidas “agendas culturais”,
inseridas entre uma reportagem e outra na TV? Ou, talvez, nas páginas recheadas
de novelas e fotos sociais dos jornais impressos. Ou ainda em uma ou outra
notícia perdida entre tantas nos blogs.
O
que ele mais queria era entender. Não há público por que não há divulgação? Ou
não há divulgação por que não há público? Ele tinha certeza de que era uma
junção das duas vertentes, como uma espada com duas pontas. Sem escudo e sem
cavaleiro, parecia uma realidade morta. Ou apenas adormecida. Como a Branca de
Neve após comer a maçã envenenada pela Rainha Má. Onde estaria, então, o
Príncipe Encantado?
E
aquilo tinha influenciado o garoto. Ele não sabia exatamente como ou quê.
Sempre tivera clara a noção de fazer jornalismo cultural. E era o que esperava
conseguir. Mas tinha medo (na verdade quase certeza) de que, ali, em sua
cidade, não o conseguiria realizar com muito êxito. Esperava que o cenário
mudasse.
Por
enquanto, o que lhe restava era andar debaixo da chuva, com a bolsa de lado,
fones no ouvido e tentando se lembrar com o quê o seu eu de 15 anos sonhava e
imaginava. Sem sucesso.
Crônica produzida durante o 4º semestre do curso de Jornalismo em Multimeios da Uneb - Campus III, na cadeira de Laboratório de Criação Jornalística, ministra pela professora Quércia Olivieira.
Para refletir...