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Estudante de jornalismo, apaixonado por séries de tv, filmes e livros, além de cultura, música e coisas viajadas. É basicamente isso que vai ter por aqui.

domingo, 8 de julho de 2012

Espada de duas pontas


As gotas de chuva que caíam do escuro céu de Petrolina naquele começo de noite o colocaram a pensar.
Sempre com sua inseparável mochila às costas – dentro, um livro surrado, um caderno, algumas canetas sem bocal e um punhado de moedas – partiu rumo ao que esperava ser mais uma distração naquele dia tão atribulado. Enquanto lia no ônibus, observava de relance o movimento da cidade, tão intenso e por vezes até caótico naquele horário.

Sempre que lhe era perceptível o quanto a cidade tinha crescido, um sentimento angustiante lhe invadia. Era um jovem interessado por artes e cultura desde cedo. Na infância, seu sonho era ser o Homem Aranha. Na adolescência, conhecer a Terra Média ou fazer uma viagem pela Matrix. Livros, filmes e música ajudaram a moldar seu caráter e muito do que ele, hoje, é. E por isso mesmo ele se ressentia ao perceber o quanto aquela cidade, cada vez mais rica culturalmente, não possuía um público cativo destes produtos.

Peças de teatro, manifestações regionais, espetáculos de dança, exibição de curtas produzidos no perímetro... Tornavam-se detalhe perto dos inúmeros shows de forró, acostumados a lotar clubes praticamente todo final de semana. Quando aos 15, 16 anos, ele se perguntava o motivo de tal discrepância – já que, na sua cabeça, era inadmissível tal tipo de coisa. Hoje, apesar de manter a opinião e preferência, ele já tem a mente mais aberta.

Entrou na faculdade de jornalismo aos 18 e foi aí que a cortina que cobria seus olhos começou a cair.
O mundo da mídia é cruel. Mais do que cruel, não abre espaços para dúvidas. A publicidade é o motor e não haverá divulgação (ao menos, não ampla) de algo que não atrairá público e que não trará lucro aos meios responsáveis por pautar o assunto. O que se esquecem, com isso, é que o mesmo público depende da tal da divulgação. Como as pessoas que não costumam procurar eventos culturais irão participar dos tais se nem sabem que eles estão acontecendo?

Era, essa, uma das eternas dúvidas do jovem. Afinal, ele também já participara de um projeto de extensão cineclube na sua faculdade e vira que, mesmo com uma propaganda viral, o resultado final não havia sido exatamente o esperado. E a desempolgação por isso gerada acabou fazendo a prática “adormecer”.
Não é que ele tivesse desistido – isso ele jurava para si mesmo que não iria. Só não valia a pena, em um momento extremamente estressante, tentar vencer uma batalha que se contasse apenas com ele, estava fadada ao fracasso. É sabido que o jornalismo também tem seu papel cultural – tem, inclusive, uma área específica: o chamado Jornalismo Cultural.

Onde se encontrava, então, essa prática na região? Nas rápidas “agendas culturais”, inseridas entre uma reportagem e outra na TV? Ou, talvez, nas páginas recheadas de novelas e fotos sociais dos jornais impressos. Ou ainda em uma ou outra notícia perdida entre tantas nos blogs.

O que ele mais queria era entender. Não há público por que não há divulgação? Ou não há divulgação por que não há público? Ele tinha certeza de que era uma junção das duas vertentes, como uma espada com duas pontas. Sem escudo e sem cavaleiro, parecia uma realidade morta. Ou apenas adormecida. Como a Branca de Neve após comer a maçã envenenada pela Rainha Má. Onde estaria, então, o Príncipe Encantado?

E aquilo tinha influenciado o garoto. Ele não sabia exatamente como ou quê. Sempre tivera clara a noção de fazer jornalismo cultural. E era o que esperava conseguir. Mas tinha medo (na verdade quase certeza) de que, ali, em sua cidade, não o conseguiria realizar com muito êxito. Esperava que o cenário mudasse.

Por enquanto, o que lhe restava era andar debaixo da chuva, com a bolsa de lado, fones no ouvido e tentando se lembrar com o quê o seu eu de 15 anos sonhava e imaginava. Sem sucesso.


Crônica produzida durante o 4º semestre do curso de Jornalismo em Multimeios da Uneb - Campus III, na cadeira de Laboratório de Criação Jornalística, ministra pela professora Quércia Olivieira.



Para refletir...